Gazeta de Campobello
Campobello, Vale do Paraíba, 10 de maio de 1889.
Maria Antonieta de Castro Galvão abriu a porta da
biblioteca, adentrou-a, caminhou pelo ambiente; passou a mão sobre a pena que
descansava no tinteiro de prata e madeira. O bico de pena parecia ter sido
usado há pouco, a tinta ainda encontrava-se fresca. O cheiro de nanquim invadiu
suas narinas. “Deve ter sido meu marido: ele estava aqui deliberando ordens,
atendendo compradores de café, despachando documentos. ” Falou consigo mesma.
A cera, do lacre,
derretida, caía sobre um papel em branco e o sinete descansava ao lado do
tinteiro! Vagou entre as cortinas pesadas de veludo adamascado. Passou as mãos
sob os exemplares, bem-dispostos, sobre a estante de livros. Olhou além das
janelas, recolheu o jornal, que estava sobre a escrivaninha e seguiu para junto
de uma poltrona. Ali, ergueu a saia farfalhante, de volumosas rodas, e se
assentou. Era seu ritual diário, sempre depois que desempenhava seus afazeres,
como senhora soberana da casa, ia para o escritório e lá se trancava. Capítulo
UM
Os escravos sabiam que
àquela hora era sagrada, ninguém; mas, ninguém mesmo, ousava-lhe atrapalhar a
leitura. Maria Antonieta ávida leitora de jornais, revistas de moda, livros de
história, romances, poesias e principalmente livros trazidos da França e
Inglaterra. Poucas foram às vezes em que viajou e não trouxe dezenas de livros.
Sua atual paixão, porém, eram os folhetins, textos literários que saiam
semanalmente ou mensalmente em jornais, revistas e semanários. Normalmente saía
nos jornais da Corte; porém, depois periódicos locais começaram a
republicá-los. Estava a ler o último capítulo de um folhetim, que saía na
Gazeta de Campobello há mais de quatro meses.
Era obra de José de Alencar, o livro O Guarany. A jovem estava encantada
com as peripécias do casal Peri e Ceci.
Maria Antonieta lera
diversos folhetins e ficava sempre ansiosa, para ler os próximos capítulos.
Entre seus autores favoritos estavam Alexandre Dumas, Manoel Antônio de
Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, com A Moreninha, Almeida Garret.
–– Poxa... O folhetim já
está no fim! –– Maria mostrou-se visivelmente irritada com o fim da história ––
Espero que a que venha, em seguida, seja tão bom quanto esse! –– deu uma pausa na fala e
concluiu –– José de Alencar entrou para meu hall de autores favoritos.
–– Balbuciava sozinha, e concluiu o raciocínio com a última frase do jornal: ––
A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se no horizonte.
–– Concluiu a leitura em voz alta.
Uma batida na porta tirou-a de sua nostálgica leitura.
–– Entre! –– Ordenou com
rispidez.
Uma mulatinha abriu a
porta, entrou, trazia sobre uma bandeja de prata um jornal.
–– Desculpe-me, senhora.
–– A escrava se aproximou da senhora e entregou-lhe o jornal–– Sei que a
senhora odeia ser interrompida; porém, acabaram de deixar essa gazeta na
porteira.
–– Já estava preocupada,
achei que não chegaria mais. Fiz o pedido na Corte há seis dias e só chegou
hoje! Achei que não viria mais. –– olhou para a criada e pegou o jornal que
estava sobre bandeja. –– Nesse caso não há problema, você, pode entrar sempre
que for necessário.
A mucama entregou o
jornal, pediu licença, e se retirou da biblioteca fechando a porta atrás de si.
Maria dobrou o jornal que havia acabado de ler, sobre a escrivaninha, abriu o
outro e passou a ler. Primeiro leu os anúncios sobre a venda de escravos, sobre
casamentos, funerais e as críticas ao império. Depois correu com os olhos e os
deteve sobre o rodapé do jornal, onde ficavam os folhetins.
O anúncio do novo
folhetim dizia:
O Diário do Rio de
Janeiro tem a honra de apresentar mais um folhetim, da safra de novos autores
nacionais. A obra que apresentaremos a vós nessas próximas edições é de um
autor nacional, pouco conhecido, conhecido como mestre das letras. O folhetim é
repleto de romance, mistério, paixões, desencontros e tudo que um belo
melodrama precisa ter, para agradar mulheres e mocinhas casadoiras.
E o anúncio termina
com um texto de apresentação escrita pelo próprio autor:
Queridos leitores,
venho através de essas linhas demonstrarem o grande amor que tenho pela
literatura nacional. Fico lisonjeado de compartilhar como os senhores, senhoras
e senhoritas, essa linda história de amor; tenho certeza, que vos cativará do
começo ao fim. Siga a saga dessa linda e corajosa mulher, nos próximos
exemplares, desse jornal que me abriu as portas.
Maria olhou para as
páginas e imaginou os mocinhos com capas e espadas; donzelas indefesas, lindas,
bem-vestidas, muito luxo e muita elegância. “Creio que esse folhetim será
lindíssimo. Não vejo a hora de lê-lo por inteiro”. “Espero que esse autor seja
tão bom quanto os outros, pelo menos a história parece-me boa! ” Disse para si
mesma.
As páginas que se seguem
foram publicadas em forma de folhetim, no periódico Diário do Rio de Janeiro e
posteriormente na Gazeta de Bellarrosa; pelo autor:
Maurício de Queirós Alencar de Castro, durante os
anos de 1889.
*José de Alencar, O Guarany, abril de 1857.
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