domingo, 14 de janeiro de 2018

   Gazeta de Campobello


Campobello, Vale do Paraíba, 10 de maio de 1889.

Maria Antonieta de Castro Galvão abriu a porta da biblioteca, adentrou-a, caminhou pelo ambiente; passou a mão sobre a pena que descansava no tinteiro de prata e madeira. O bico de pena parecia ter sido usado há pouco, a tinta ainda encontrava-se fresca. O cheiro de nanquim invadiu suas narinas. “Deve ter sido meu marido: ele estava aqui deliberando ordens, atendendo compradores de café, despachando documentos. ” Falou consigo mesma.
A cera, do lacre, derretida, caía sobre um papel em branco e o sinete descansava ao lado do tinteiro! Vagou entre as cortinas pesadas de veludo adamascado. Passou as mãos sob os exemplares, bem-dispostos, sobre a estante de livros. Olhou além das janelas, recolheu o jornal, que estava sobre a escrivaninha e seguiu para junto de uma poltrona. Ali, ergueu a saia farfalhante, de volumosas rodas, e se assentou. Era seu ritual diário, sempre depois que desempenhava seus afazeres, como senhora soberana da casa, ia para o escritório e lá se trancava. Capítulo UM
Os escravos sabiam que àquela hora era sagrada, ninguém; mas, ninguém mesmo, ousava-lhe atrapalhar a leitura. Maria Antonieta ávida leitora de jornais, revistas de moda, livros de história, romances, poesias e principalmente livros trazidos da França e Inglaterra. Poucas foram às vezes em que viajou e não trouxe dezenas de livros. Sua atual paixão, porém, eram os folhetins, textos literários que saiam semanalmente ou mensalmente em jornais, revistas e semanários. Normalmente saía nos jornais da Corte; porém, depois periódicos locais começaram a republicá-los. Estava a ler o último capítulo de um folhetim, que saía na Gazeta de Campobello há mais de quatro meses.  Era obra de José de Alencar, o livro O Guarany. A jovem estava encantada com as peripécias do casal Peri e Ceci. 
Maria Antonieta lera diversos folhetins e ficava sempre ansiosa, para ler os próximos capítulos. Entre seus autores favoritos estavam Alexandre Dumas, Manoel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, com A Moreninha, Almeida Garret.
–– Poxa... O folhetim já está no fim! –– Maria mostrou-se visivelmente irritada com o fim da história –– Espero que a que venha, em seguida, seja tão bom quanto esse! –– deu uma pausa na fala e concluiu –– José de Alencar entrou para meu hall de autores favoritos. –– Balbuciava sozinha, e concluiu o raciocínio com a última frase do jornal: –– A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se no horizonte. –– Concluiu a leitura em voz alta.
Uma batida na porta tirou-a de sua nostálgica leitura.                                   
–– Entre! –– Ordenou com rispidez.
Uma mulatinha abriu a porta, entrou, trazia sobre uma bandeja de prata um jornal.
–– Desculpe-me, senhora. –– A escrava se aproximou da senhora e entregou-lhe o jornal–– Sei que a senhora odeia ser interrompida; porém, acabaram de deixar essa gazeta na porteira.
–– Já estava preocupada, achei que não chegaria mais. Fiz o pedido na Corte há seis dias e só chegou hoje! Achei que não viria mais. –– olhou para a criada e pegou o jornal que estava sobre bandeja. –– Nesse caso não há problema, você, pode entrar sempre que for necessário.
A mucama entregou o jornal, pediu licença, e se retirou da biblioteca fechando a porta atrás de si. Maria dobrou o jornal que havia acabado de ler, sobre a escrivaninha, abriu o outro e passou a ler. Primeiro leu os anúncios sobre a venda de escravos, sobre casamentos, funerais e as críticas ao império. Depois correu com os olhos e os deteve sobre o rodapé do jornal, onde ficavam os folhetins.
O anúncio do novo folhetim dizia:

O Diário do Rio de Janeiro tem a honra de apresentar mais um folhetim, da safra de novos autores nacionais. A obra que apresentaremos a vós nessas próximas edições é de um autor nacional, pouco conhecido, conhecido como mestre das letras. O folhetim é repleto de romance, mistério, paixões, desencontros e tudo que um belo melodrama precisa ter, para agradar mulheres e mocinhas casadoiras.

E o anúncio termina com um texto de apresentação escrita pelo próprio autor:

Queridos leitores, venho através de essas linhas demonstrarem o grande amor que tenho pela literatura nacional. Fico lisonjeado de compartilhar como os senhores, senhoras e senhoritas, essa linda história de amor; tenho certeza, que vos cativará do começo ao fim. Siga a saga dessa linda e corajosa mulher, nos próximos exemplares, desse jornal que me abriu as portas.

Maria olhou para as páginas e imaginou os mocinhos com capas e espadas; donzelas indefesas, lindas, bem-vestidas, muito luxo e muita elegância. “Creio que esse folhetim será lindíssimo. Não vejo a hora de lê-lo por inteiro”. “Espero que esse autor seja tão bom quanto os outros, pelo menos a história parece-me boa! ” Disse para si mesma.
As páginas que se seguem foram publicadas em forma de folhetim, no periódico Diário do Rio de Janeiro e posteriormente na Gazeta de Bellarrosa; pelo autor:

Maurício de Queirós Alencar de Castro, durante os anos de 1889.


*José de Alencar, O Guarany, abril de 1857. 

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