Os Lisboetas
Os dias posteriores a sua chegada, a Portugal, foram
para a rapariguinha todos iguais. Dias causticantes e cansativos cheios de regras,
aulas e afazeres que decerto não faziam parte do dia a dia de meninas da corte
e das fazendas brasileiras. No final do dia, sempre depois do jantar, seguiam
para a sala de piano; onde, Helena tocava modinhas e depois iam para seus
aposentos. Leninha, naquela noite, recebeu a ajuda da governanta para colocar a
roupa de dormir e foi posta na cama. A criada ajudou-a a tirar o vestido que
usava, a trocar o espartilho que usava no dia a dia, pelo de dormir, que
apertava a cintura o dobro; mas que aliviava a respiração da dama. Depois a
penteou, fazendo duas tranças, colocou o cabelo dentro de uma touca de seda;
vestiu-lhe a camisola e pôs lhe na cama. A governanta, então, fechou o
acortinado do dossel e se retirou deixando-a sós.
Helena sofria com toda aquela pressão. Já não vivia
mais como uma menina de sua idade; a viscondessa a tratava como uma mulher,
coisa que ainda não era. E tão pouco queria ser. A jovem menina passou do
estado de menina-moça, para o estado de menina-mulher. Levantava-se ainda antes
do sol nascer, vestia-se, tomava um pequeno desjejum e partia para a
biblioteca; onde recebia aulas de língua estrangeira Francês, inglês, alemão,
italiano, latim, grego e aulas da própria língua-mãe. Depois tinha aula de
geografia, história universal, geometria, retórica, piano, literatura
universal, poesia, pintura, bordado, canto e para terminar o dia aulas de
etiqueta. Com doze anos já sabia todo o protocolo de etiqueta inglês e
austro-húngaro; sabia como uma dama deveria andar se vestir, como combinar cada
roupa, cabelo e acessório. Aos treze já era verdadeiramente uma dama. E o seu
dia começava ainda antes do nascer do sol e só terminava depois que a lua
estivesse alta.
–– Vovô! –– A iniciou do auge de seus treze anos ––
para que preciso a andar dessa forma? Para que preciso fazer assim? E falar
assim? Saber como se deve comportar diante da rainha, se ainda nem a conheço?
–– Menina... –– Disse a viscondessa enquanto passava
a mão sobre seus cachos milimetricamente arrumados –– Antes de lhe responder
todas essas perguntas; devo responder apenas uma.... Uma dama jamais fala
demais! Uma dama, não deve perguntar demais. Antes disso, você deve fazer sem
perguntar. Homens não gostam de mulheres que falam demais. –– A velha
mostrou-se bastante arredia diante das perguntas.
–– E quem disse que quero agradar homens?
–– Cale-se menina! –– Bradou à senhora –– Você fala
demais! Faça sua lição e calada! Damas e senhoras, da alta sociedade, escutam
mais e falam menos. –– A viscondessa voltou-se para seu livro e olhou para a
neta novamente –– Desse jeito não vai arrumar nenhum marido bom. Os jovens de
boa família não gostam de mulheres faladeiras.
–– Pouco-se-me-dá se eles não gostam de mulheres
assim. –– A menina olhou para a avó e de uma forma incriminatória disse. –– Não
quero me casar mesmo... A menina fez um muxoxo e se virou para a professora.
Com o passar dos dias ela foi se acostumando as
regras e ordens de sua avó. Dois meses após a sua chegada, ela e a viscondessa
havia se tornaram boas amigas. Quando Helena completou quinze anos; ganhara de
sua avó, Teresa, um lindo anel de esmeraldas e um grande sarau, além do novo
guarda-roupa. Agora ela já usava vestidos que lhe cobriam os pés, e saias
amplíssimas, ou seja, saias-balão, ou baronesa como eram conhecidas.
Ainda deslumbrada, Helena, tornou-se a jovem mais
cobiçada e desejada; de dez entre dez famílias nobres europeias. Deixou para
trás o tempo de menina, em que usava vestidos até a canela e longos calções.
Agora usa vestidos que sempre quis usar, mas não podia porque ainda era
criança. A crinolina incomodou-a um pouco, no começo, mas depois acabou se
acostumando. Achava tudo aquilo ali lindo e cada novo modelo que via, comprava.
A modista, da viscondessa, sabia e quando saia novo modelo na revista de moda,
Helena era a primeira a ser consultada.
A chegada de Helena provocou um alvoroço nos
palácios portugueses. A família Avelar de Menezes e Albuquerque sempre foi bem
quista pelos patrícios da nobreza e burguesia europeia. Mês sim, mês não. Lá
estava ela acompanhada por suas primas passeando pelos passeios públicos,
fazendo compra nos melhores armarinhos, lojas de aviamento, modistas,
chapeleiros, sapateiro e joalheiros de Lisboa. Porquanto era normal toda noite
ir a um sarau ou ao teatro, ao lado da viscondessa, sua avó. Helena era
benquista nos salões da nobreza, pois dançava divinamente e cantava como um
rouxinol. Frequentava as melhores casas e os melhores salões de Portugal, seu
nome e de sua avó sempre apareciam nas listas Vips de convidados.
Helena é realmente privilegiada pela vida, além da
riqueza, a existência havia-lhe derramado a arca da beleza. Seus traços são
perfeitos. As linhas de sua boca são lineares e davam-lhe o troféu da
perfeição; sua coloração púrpura dava-lhe um ar angelical e um toque de sensualidade.
Seu corpo era literalmente esculpido em alvo mármore italiano pelas mãos da
deusa Afrodite. Linhas absolutamente harmônicas, pele, nariz afilado, boca fina
e de um o laivo rosáceo que causava inveja em muita gente. Perfeita tela
projetada por Afrodite e preenchida pelo cupido, “o deus do amor”. Sobre o colo
gracioso, densos cachos caíam-lhe e emoldurava lhe, ainda mais; o semblante
Angelina mostrava sua pueril e imaculada condição. Possuía uma voz doce,
melodiosa, vivaz e potente, mas que se tornava ríspida, corpulenta, irascível e
prepotente quando necessário.
Por tal essência não passou sequer a bruma da
concupiscência, da presunção, a ostentação que faziam parte de outras moças na
sua idade, devido à formosura e a rompante fortuna. Demonstrava apenas a
doçura, ilusória de um coração sonhador não inflamado pelo desejo da carne,
coisa que viria com a idade. Helena adorava visitar conventos, mosteiros,
orfanatos e igrejas antigas; muitos desses lugares ainda conservavam anos de
história. Um de seus lugares favorito era o mosteiro dos Jerônimos. Sempre que
saia com Magnólia e sua dama de companhia portuguesa; seu destino favorito eram
praças e mosteiros. Gostava de caminha pelos corredores esculpidos, passava
pelas três naves. A igreja do mosteiro era construída em uma espécie de cruz
latina; os portais de saída da igreja eram bem talhados. Trazia traços meio
góticos. Depois caminhava pela clausura; passava pela sacristia onde conversava
com os cardeais e dirigentes da Santa Sé; depois pelo túmulo de Vasco da Gama,
caminhava pelo refeitório; pelo confessionário e depois ia caminhar pelo
jardim. Outros pontos favoritos de seus passeios eram as margens do rio Tejo, o
castelo de S. Jorge; a torre de Belém; os jardins do palácio de Nossa Senhora
da Ajuda, um lindo burgo em estilo neoclássico; o convento do Carmo; gostavam
também de visitar os moradores do Palácio Real de Queluz; a Residência dos
Marqueses Fronteira; visitar os jardins do Palácio da Necessidade; além-claro,
de ir ao teatro São Carlos e ao Teatro Nacional D. Maria II. Vivia nos pátios
da faculdade de Lisboa, buscando flertar com mancebos bonitos e de boa família.
Estava há pouco mais de um ano e meio em Lisboa, mas
a menina conhecia boa tarde da cidade. Não se avexava quando o assunto era
destino para passear pela cidade, conhecia cada palmo de chão. Era praticamente
uma lisboeta, não passava um dia sem passear pelos palácios, passeios públicos,
jardins, museus, teatros; conhecia até mesmo os quartéis do exército português.
Heleninha como era conhecida entre os mais íntimos tinha ainda pouca idade, mas
já era bem badalada entre os patrícios. Assim que começou a usar trajes de
mulher a menina passou a frequentar uma escola preparatória para damas. Mas
sempre na hora que ia para o colégio ou quando voltava para casa a pé, ela
arrumava um jeito de passar pelos pátios da faculdade de Coimbra. No começo
dizia para a avó: “que era para conversar com um professor de filosofia e
história, a quem gostava muito”. Mas sua avó como não era boba, sabia que a menina
queria apenas ver os mancebos que lá estudavam. Sempre dizia a viscondessa:
–– Juízo menina! –– Sorria ela –– bem sei eu, o que
busca tu lá. –– E caia na gargalhada.
–– Que isso vovó? Vou apenas fala com o professor
Queiroz! –– Replicava a menina sem graça.
–– Mas não disse nada?
–– Sei... Só o olhar da senhora lhe entrega. ––
Retrucava a menina impaciente –– Bem sei, o que pensas a senhora de mim! –– Já
tive vossa idade, sei bem o que meninas como tu procuram lá pelas bandas da
faculdade de Coimbra! –– Dizia a velha enquanto tomava um gole de chá. ––
Buscas os mancebos bonitos, que lá estudam, apenas para que eles a vejam.
–– Olha só que a senhora pensa de mim...
–– Diga se não é a mais pura verdade?
–– Não... é bem assim... –– Dizia a menina enquanto
se explicava.
–– Tudo bem, minha filha! –– Retrucava a velha
sorrindo –– só não dê liberdade para aqueles pobres diabos. Pois homem é um
bicho safado. E mesmo que você esteja apenas olhando, os bonitos; eles sempre
pensaram que você é uma libertina.
Avó e neta, que tomavam o chá das cinco; terminavam
sempre o papo as gargalhadas. A viscondessa às vezes confundia a cabeça da
menina, pois ao mesmo tempo em que era rígida demais, era doce e brincalhona.
Trazia a educação e o comportamento da menina a rédeas curtas; mas às vezes,
dava vazam a uma jovem e simples pueril. Que parecia se libertar de amarras
duras de uma educação rígida e religiosa. O momento de mais união entre avó e
neta era aos domingos, quando iam juntas para a igreja. Clérigos e pessoas ligadas
à alta cúpula da igreja eram visitas assíduas à casa da velha viúva.
A viscondessa sempre foi uma ótima anfitriã, sabia
como receber em sua casa. Não era à toa que uma vez por mês, oferecia um chá
das cinco para as damas da alta sociedade lisboeta, eram filhas, netas,
sobrinhas, mães e esposas de políticos e nobres. Fazia também a reunião da
confraria de mulheres que trabalhavam em uma instituição de apoio a crianças
enjeitadas. Possuía um grande engajamento com trabalhos voluntários, gostava de
ajudar conventos e orfanatos. A viscondessa era solidaria e também uma mulher
de negócios. Administrava as empresas e terras que seu falecido marido havia
deixado. Era uma grande empreendedora triplicara a fortuna da família, em
apenas três meses gestão. A família vinha de uma linhagem, muito importante, de
fabricantes de vinho do porto, queijo de leite de cabra e outras coisas, os
produtos possuíam uma fama internacional.
Helena, em pouco tempo, passou a ajudar a avó na
contabilidade e nas anotações nos cadernos administrativos. Seu tempo estava
dividido entre o estudo, os passeios, as compras, os bailes, saraus e a
apresentações de ópera no Theatro S. Carlos.
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