Passeio por Sintra
No
dia seguinte, após o café da manhã,
a viscondessa Anna resolveu levar a neta para fazer um tour pelo país. A viscondessa Anna Albuquerque era conhecida por toda
nata portuguesa, frequentadora assídua das casas de nobres e burgueses. Sabia
se portar tanto diante da nobreza, quando da alta burguesia. Herdara o título e
o brasão de viscondessa de seu falecido pai, que por sua vez recebeu do pai,
avô de Anna. O título nobiliárquico estava na família a mais de 400 anos.
Depois que se casara recebera o título de marquesa e baronesa títulos oriundos
de seu marido; que possuía um alto cargo no governo português, grande amigo do
rei D. Fernando II e da rainha D. Maria II, ou o Rei Artista como era
conhecido.
***
A primeira parada
do passeio foi o Porto, depois Torre de Belém, a Igreja de S. Roque; depois
seguiram para o teatro São Carlos; passaram pelos passeios públicos e pelo
Jardim de S. Lázaro no Porto; seguiram para os teatros D. Maria II, e S. João
em Lisboa; além de visitarem a Sé de Lisboa e para terminar o castelo de S.
Jorge. Helena foi levada pela avó ao convento, onde as filhas de nobres
portugueses recebiam a educação secundária; o Mosteiro da Ordem das Clarissas,
onde ela e Magnólia ficariam enclausuradas anos depois. A menina ficou
deslumbrada com tantos lugares bonitos, a avó foi uma espécie de guia
turístico, contou a história dos principais lugares de Lisboa. Depois daquele
longo passeio, avó e neta, foram tomar chá e comer quitutes da culinária
portuguesa na Confeitaria Nacional na Baixa de Lisboa. Passaram pela fábrica de
pastéis de Belém e compraram uma dúzia para comer durante a viagem para Sintra.
Depois do longo passeio pelos monumentos históricos
e passeios públicos de Lisboa, a comitiva da viscondessa seguiu para a cidade
de Sintra onde possuía familiares. A Vila de Sintra é um lugar arrebatador
cheio de lugares mágicos; castelos e palácios surgem no meio das matas e
florestas de um verde magnífico, montanhas lindíssimas. Era um lugar
formosíssimo e pacato. Possuía um vasto declive rochoso e beira-mares
belíssimas. Um dos lugares mais mágicos recebeu dos Celtas o nome de “Serra da
Lua”. Sintra também abrange a costa marítima de Cascais. O lugarejo foi
habitando durante séculos pela nobreza portuguesa, em seus lindos e esplêndidos
palácios, o lugar era mágico; todo palácio possuía jardins infindáveis, igrejas
e o convento dos capuchinhos. O lugar inspira realmente um clima de conto de
fadas, romântico e bem aconchegante para famílias.
Algumas horas depois a comitiva havia chegado a
Sintra. Helena foi apresentada a seus familiares. Poucas horas depois, a
menina, já estava entrosada com seus primos, primas e tios portugueses. Avó e
neta ficaram hospedadas na casa da condessa Lucélia, irmã da viscondessa Anna.
Cada uma recebeu um quarto; após o jantar seguiram para a sala de visitas, pois
os primos da menina estavam curiosos para saber como era o Brasil.
–– Dizem que lá só tem matas e bichos. –– Indagou-lhe,
a menina, Luísa –– Quando minha mãe disse que receberíamos uma prima vinda do
Brasil, achamos que viria uma menina com modos de índios e que comia com as
mãos. Assim como é descrito nos livros de história.
–– Não... –– Helena caiu na gargalhada –– É, assim
que todos nos veem por aqui?
–– Pelo menos é o que nos passam nas aulas de
história geral. –– Retrucou Gumercindo, um dos filhos mais novo da condessa. ––
Dizem que lá só tem índio, negros e gente pobre...
–– Não é bem assim, não... –– Helena mostrou-se
irritada –– É claro que lá possui muita pobreza, desigualdade e que ainda
impera a escravidão. Mas possui muitos ricos e gente educada, lá também. Por
exemplo, venho de uma linda e luxuosa fazenda do interior da Corte. Muitos
filhos de fazendeiros veem para Coimbra estudar, na faculdade de Coimbra.
Os jovens decidiram ficar próximos ao piano enquanto
Luíza, uma jovem loira, de estatura mediana, porte elegante, cintura fina e
olhos de um verde profundo e com pouco mais de dezessete anos; tocava uma canção
de Ludwig van Beethoven. Já as damas decidiram ficar distantes da algazarra dos
jovens, escolheram um lugar sereno e sossegado ao lado da lareira, sentadas em
uma marquesa saboreavam chá com biscoitos.
–– Veja só como é a juventude... parecem alheios a
tudo que acontece a sua volta. –– Disse a viscondessa, enquanto olhava para a
irmã.
–– Pois é, minha irmã! –– Respondeu a condessa ––
Parece que vossa neta já está enturmada! Nem parece que conheceu os primos a
menos de seis horas.
–– Helena é uma menina de fácil adaptação. ––
Objetou a viscondessa. –– É uma doce criança, ainda não tive trabalho com ela.
–– Pois é! Quando os pais sabem ensinar e isso que
acontece. –– A condessa olhava a menina que falava e gesticulava com os primos.
–– Sem contar que é uma guapa rapariga.
–– É mesmo? Ela lembra bem meu filho... –– A voz da
viscondessa tornou-se chorosa. Seus olhos se encheram de lágrimas.
–– Bem... –– Disse a condessa em tom de zombaria ––
bem se vê que em nossa família a beleza é inerente de nossa gente. É algo que
está em nossa genética, veja minhas filhas. E olhe para nós, somos senhora, mas
ainda mantemos algum viço de beleza!
A conversa foi regada com chá e biscoita, depois da
pequena ceia, o papo se estendeu até que o grande carrilhão deu suas dez
badaladas. Neste momento a condessa decidiu que todos deveriam se recolher, e
assim, seguiram para seus aposentos. A cama de Magnólia foi posta bem ao lado
do leito de Helena; depois que as duas se trocaram foram se deitar.
No dia seguinte logo após o desjejum; desjejum,
este, que mais parecia um banquete servido durante a Corte do rei Luiz XV. Na
mesa, vários eram os tipos de bolos, pães, geleias diversas, compotas,
pessegada, frutas, doces tipicamente portugueses entre outras iguarias. Naquele
dia a casa havia acordado diferentemente dos outros dias, primeiro por causa
das visitas, depois porque os próprios moradores estavam animados com o passeio
que fariam, pelas terras de Sintra. Naquela manhã, a viscondessa e a condessa
usavam vestidos em tons mais claros que o habitual. Anna usava um vestido
turquesa escuro, já a condessa resolveu usar um traje mais puxado para o
rosáceo.
Assim que os
primeiros raios de sol brotaram no interior dos aposentos, as jovens damas,
filhas da condessa, levantaram-se e partiram para seus toucadores; aonde se
banharam e vestiram trajes de passeio. As meninas decidiram usar vestidos à
rainha Victória, com decote puritano, cinturas bem marcadas e saias com anáguas
volumosas; na cabeça um coque trança baixo, o bonnet dava um toque especial ao
traje. Após o café da manhã, o grupo, seguiu para o saguão da casa onde um
coche os aguardava.
Marcava pouco mais de nove horas da manhã, quando a
comitiva deixou as dependências da quinta. No barouche puxado por seis cavalos,
que ia à frente, estava Helena, Mariana, Alexandra; já o rapaz ia ao lado do
carro em seu alazão. Estavam todos descomedidamente bem vestidos, as moças
usavam belos vestidos com saias volumosas. O mancebo vestia-se com trajes de
montaria, mas não havia deixado seu estilo dandy; o rapaz aquela manhã havia
optado por um traje típico de montaria; uma casaca preta, de veludo, um lenço
amarado ao pescoço como gravata; colete, camisa branca, uma cartola de pelica,
calças negras, como a casaca, e uma bota de montaria de couro negro e lustroso.
As jovens damas traziam nas costas capas de veludo negro; e por causa do calor
todas trouxeram sombrinhas. Em uma caleche, que seguia logo atrás, estava
Magnólia, duas damas de companhia e um lacaio.
Helena aproveitou o trajeto para admirar a paisagem
da bela Sintra. O lugarejo estava realmente rodeado de palácios lindíssimos, o
panorama natural possuía um quê... a mais. Era algo realmente fascinante,
imagens que enchiam os olhos de quem as contemplassem com mais sagacidade. A
todo o momento, as jovens e o rapaz, felicitavam conhecidos que passavam em
carruagens e em cavalos. Algum tempo depois chegaram ao cume da rochosa encosta
da serra de Sintra, onde ficava o castelo dos Mouros, lugar onde se iniciaria a
turnê dos jovens. O carro parou; o rapaz e o lacaio auxiliaram as jovens a
descerem. Depois que todos estavam em terra; seguiu pela entrada das ruínas,
caminharam por muitos lugares da imensa muralha. Um dos lugares preferidos de
Helena foi às ruínas da igreja de São Pedro de Canaferrim. Depois de muito subirem e descerem escadarias
de pedra, já cansados e com muita fome resolveram que deveria parar para fazer
um lanche. Magnólia e as outras duas aias saíram à procura de um lugar, onde
seus senhores pudessem fazer um convescote. Após algumas voltas encontraram um
lugarzinho junto à cisterna, cisterna usada para levar água ao palácio Nacional
de Sintra. Debaixo de uma árvore, as criadas, estenderam uma toalha colocando a
refeição sobre ela. Anna Helena e seus primos sentaram-se e foram servidos. Um
longo silêncio tomou conta do ambiente, até que Mariana quebrou o silêncio:
–– Ora, pois, pois.... Minha prima! –– Mariana olhou
de forma interrogativa, para Helena –– O que achaste deste passeio? –– Murmurou
enquanto estirava-se sobre o pano, que estava no chão. –– Gostou de conhecer as
ruínas do castelo dos Mouros? Fala... se isso aqui não é a coisa mais linda que
você já viu?! Não é que eu queira enaltecer-me, mas isso é muito lindo. –
Adorei o dia de hoje... está manhã acordei preocupada, pois tudo isso me parece
ser a anunciação de uma tragédia. Hoje de manhã avistei, na linha do horizonte,
uma nuvem negra. – Helena reteve os olhos sobre o primo – Além da voz que ouvi
ao pé do ouvido, dizendo: “Sua vida está prestes a mudar”.
–– Não há de ser nada, querida! –– Balbuciou o
rapaz. –– Talvez, tenha sido apenas um sonho.
–– Que nada. Pareceu-me real, por demais! –– Anna Helena
fez o sinal da cruz sobre o peito –– Meu Deus, o que será?
–– Deixe isso para mais tarde, agora vamos nos
divertir. –– Mariana vendo o estado da prima, tentou levar o papo para outro
rumo – Pois a vida é curta demais, para darmos ouvidos a essas coisas.
–– Que nada! Isso foi apenas um sonho... –– Murmurou
Luísa, filha mais nova da condessa.
–– Não, não... O sonho foi bastante real, tenho
certeza disso! –– Disse Leninha enquanto degustava um pedaço de pastel de
Belém. – Vocês podem não acreditar, mas todas as vezes que tenho esse tipo de
sonho, algo acontece! A última vez que tive um sonho igual a esse, meu pai
morreu.
–– Ora, pois... Prima! –– Murmurou Azevedo, enquanto
se benzia. –– Credo, até parece um agouro.
–– Isso não é agouro, meu primo, é apenas o que
sinto! –– Concluiu ela, enquanto erguia-se do chão. – Acho que já é hora de
partirmos, o crepúsculo não tardará a chegar.
–– Helena tem razão! –– Luísa, a mais moça, olhou
para os outros –– É muito perigoso ficarmos por essas estradas à noite.
–– Por esses dias ouvi a história: de um salteador,
que ronda os palácios de Sintra – Josefina – Mamãe não há de gostar de nos ver
por essas estradas a noite. Há muito salteadores, e malfeitores, que procuram
donzelas para fazer-lhes mal.
–– Qual?! –– Azevedo retrucou –– Vocês, não estão
sozinhas eu estou aqui...
Todas as moças caíram na gargalhada. –– Ora, ora...
será que temos aqui um grande homem, ou apenas um menino que não saiu dos
cueiros? –– Mariana, a mais vela, fez piada com a cara do jovem mancebo. –– Me
poupe dessa infâmia! –– Esbravejou ela –– Sóis ainda uma marica... Nem dos
cueiros saiu.
–– Pois bem. –– Bradou ele, com voz grave –– Se não
credes que sou macho, pois ais estão os nossos criados. –– Temos dois cocheiros
e o lacaio.
Depois
daquele longo diálogo, as moças, se levantaram, bateram as migalhas que estavam
sobre suas roupas e partiram em caminhada rumo às muralhas. As damas de
companhia ficaram no local recolhendo tudo que estava sobre o solo. Meia hora
depois as moças mostraram-se exaustas, suas roupas pesavam.
–– Vamos... vamos. Por favor, vamos embora! ––
Mariana parou e se apoiou em um muro –– Já não aguento mais.... Minhas pernas
doem... –– Murmurou Mariana.
Após as voltas que deram em torno das ruínas do
castelo, os seis voltaram para os coches. As criadas já haviam preparado tudo,
a cesta do convescote, já estava na boleia do coche. Assim que as moças se
acomodaram em seus lugares, o carro partiu; rumo ao palácio da condessa.
0 comentários:
Postar um comentário